Monitor de Dados da CAAD – 7 de novembro de 2024: Enquanto se discute o clima no Azerbaijão, a indústria dos combustíveis fósseis já está se preparando para o Brasil

A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, COP29, está em curso no Azerbaijão, com pouquíssimos avanços depois da primeira semana de negociações. É a segunda vez consecutiva que um país rico em combustíveis fósseis sedia a conferência. O conflito de interesses é dolorosamente óbvio, já que a maior parte da receita estatal dessa nação provêm dos combustíveis fósseis e o país se prepara para aumentar a produção de gás nos próximos 10 anos. De fato, um novo relatório do Anti-Corruption Data Collective e da Transparência Internacional detalha que o Azerbaijão já está usando a sua presidência para influenciar negativamente nas negociações, recorrendo a uma mistura de greenwashing, controle da indústria do petróleo e uso de agências de relações-públicas para criar uma imagem distorcida para o público.

Para o movimento climático, as esperanças já estão totalmente voltadas para a COP30 de 2025. O país anfitrião do próximo ano, o Brasil, pode até ter planos de expansão da exploração de petróleo e gás, mas a sua classificação geral “insuficiente” no Climate Action Tracker é um alívio em comparação com as classificações “crítica” ou “altamente insuficiente” do Azerbaijão e dos últimos dois anfitriões. Em princípio, o governo brasileiro está em uma posição mais forte para liderar a agenda climática do que qualquer um dos últimos anfitriões.

Mas a indústria dos combustíveis fósseis já começou a se adiantar para sufocar essas ambições. Recentemente, veio à tona que a Shell pagou pelos serviços do respeitado cientista e influenciador digital brasileiro Átila Iamarino. Átila ficou famoso no país por combater as narrativas falsas durante a pandemia de Covid-19. De fato, em apenas 10 meses, a Núcleo rastreou 34 patrocínios de influenciadores científicos no Brasil, no YouTube, Instagram e TikTok. Isso sinaliza uma tendência preocupante que deve se intensificar à medida que nos aproximamos da COP30.

NOVAS TÁTICAS, O MESMO ATRASO

As empresas de combustíveis fósseis são especialistas em atrasar a ação climática. O marketing de influência via patrocínios é uma prática que a indústria vem expandindo nos últimos anos. A Shell patrocina seu próprio miniexército de influenciadores, além de financiar publicidade por trás das parcerias, como identificamos no ano passado na COP28.

E ainda mais preocupante é a tendência de usar influenciadores científicos. A indústria de combustíveis fósseis tem um histórico de financiar a comunidade científica para encobrir a ciência do clima. Se isso já não é possível, recorrer a influenciadores científicos é o próximo passo natural. Mas não é apenas a Shell. A Petrobras parece seguir o mesmo roteiro. O diretor de Exploração e Produção da organização declarou que os corais na Amazônia são “fake news”, a mesma Petrobras que patrocinou a influenciadora científica Bianca Witzel.

Thais Lazzeri, fundadora do estúdio de impacto FALA no Brasil e criadora do Mentira Tem Preço, um projeto que expõe o alto custo da desinformação climática, das falsas narrativas socioambientais e do discurso de ódio no Brasil, nos contou:

“Os criadores de conteúdo são a ponta de uma cadeia de suprimentos desprotegida para a indústria de combustíveis fósseis.”

E essas parcerias têm um impacto. Embora haja uma reação crescente contra a escolha de patrocínio do Átila, esse tipo de atividade promocional ainda é eficaz, dada a alta credibilidade que os influenciadores têm entre seus seguidores, bem como a tendência a enfraquecer a confiança na mídia tradicional.

E AGORA?

Publicidade de combustíveis fósseis. Para a indústria dos combustíveis fósseis isso é comum. Há décadas, as empresas do setor não agem de boa-fé quando o assunto é ação climática. Como diz o apelo do secretário-geral da ONU, António Guterres, todos os tipos de publicidade de combustíveis fósseis deveriam ser banidos. Isso também deveria se aplicar a parcerias pagas com criadores de conteúdo. O mero fato de marcar o conteúdo como #publicidade ou #publi nas postagens não é suficiente para proteger dos danos que a indústria dos combustíveis fósseis causa.

Brasil. O Brasil está sendo visto como líder em ações climáticas nos próximos dois anos, sediando o G20 em 2024, a COP30 em 2025 e, possivelmente, alguns fóruns importantes sobre a integridade da informação. É por isso que a COP30 será tão importante. Até agora, a indústria dos combustíveis fósseis tem saído impune ao “inundar” as negociações e exercer influência indevida no sistema.  Visto que a Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC) – evento apoiado pela União Conservadora Americana, que por sua vez é financiada pela indústria dos combustíveis fósseis, e com a presença de figuras influentes como Milei e Bolsonaro – acontecerá em Belém pouco antes da COP30, reduzir a interferência da indústria de combustíveis fósseis precisa continuar sendo uma prioridade para a comunidade climática, tanto agora quanto no próximo ano.

Influencie os influencers. Estão surgindo movimentos de oposição que visam aumentar a conscientização entre os influenciadores sobre o risco de se espalhar desinformação sobre combustíveis fósseis, especialmente o greenwashing. Movimentos que promovem uma cultura de patrocínios éticos precisam ser reconhecidos e apoiados para gerar pressão do público e garantir freios e contrapesos nas mídias sociais.

Isso significa:

  • Denunciar as empresas de combustíveis fósseis – e as agências de relações-públicas a serviço delas – que atraem influenciadores com cachês altos para espalhar desinformação entre seus seguidores fieis, assim como os influenciadores que fazem parceria com elas.
  • Exigir das plataformas de mídia social e das agências reguladoras do Estado políticas robustas para impedir parcerias que lucram com a desinformação do público.
  • Trabalhar, em última instância, para um banimento global de toda publicidade de combustíveis fósseis.

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OUTRAS NOTÍCIAS

À medida que o clima extremo se torna um lugar-comum, o mesmo acontece com a desinformação associada. O Institute for Strategic Dialogue e o Media Matters fizeram um árduo trabalho no mês passado para documentar a desinformação climática durante o furacão Helene nos EUA. A Agência Federal de Gestão de Emergências e a Casa Branca precisaram redirecionar esforços para desmentir falsas informações circulando no X e no TikTok, incluindo posts que orientavam as vítimas dos furacões a não aceitar a ajuda oferecida pelo governo dos EUA. Inscreva-se no COP, Look, Listen para saber mais sobre clima extremo em um relatório futuro.

Bots operando em rede… Mais um ano, mais 1.800 bots (pelo menos) impulsionando artificialmente as narrativas do país anfitrião da COP. Marc Owen Jones, da Northwestern University, no Catar, analisou 10.800 contas suspeitas no X em um período de uma semana e descobriu que dois terços delas eram consistentes com a atividade de bots e três quartos foram criadas ainda neste ano. E prometeram remover bots do X… Se o Azerbaijão está por trás disso, eles provavelmente se inspiraram nos Emirados Árabes Unidos no ano passado.

O dinheiro sujo está alimentando nossos esportes favoritos. Um relatório do New Weather Institute revelou que pelo menos US$ 5,6 bilhões foram pagos em 205 acordos de patrocínio ativos relacionados com esportes em março de 2024. Considerando a ameaça existencial que as mudanças climáticas representam para os esportes, isso precisa mudar. E quem ganha a Copa do Mundo do sportswashing? Arábia Saudita, com a Aramco pagando quase US$ 1,3 bilhões em dez acordos.

As políticas são uma coisa — a sua aplicação é outra. Plataformas de publicidade, como Google e Amazon, continuam lucrando com a desinformação climática. Apenas verificando três sites que publicam desinformação climática, o Check My Ads e a CAAD identificaram 15 plataformas lucrando com a prática. Ter uma política sobre o assunto não parece mudar nada: oito das plataformas identificadas têm regras contra isso, e sete não têm.

Projeto Petróleo e Gás. Mais poluição, menos acesso à natureza, menos diversidade econômica. Um relatório do Center for American Progress descobriu que, se implementado, o Projeto 2025 estimularia a indústria de petróleo e gás às custas dos americanos comuns. Isso sem contar os subsídios existentes e os mais de US$ 250 bilhões de lucro que a indústria teve nos EUA entre 2021 e 2023.

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